Iniciativa tem o objetivo de oferecer tratamento mais humanizado a quem sofreu agressões
Acolher, ouvir, respeitar e cuidar. Esses são alguns dos direitos fundamentais garantidos às vítimas de violência sexual que buscam ajuda. Contudo, visto que nem sempre os especialistas estão capacitados para essa escuta humanizada, foi criado, em 2021, no Hospital Materno Infantil de Brasília, um curso de capacitação de profissionais que fornece orientações para os cuidados a pessoas em situação de violência sexual.
O projeto “Qualificação do cuidado às pessoas em situação de violência sexual e da interrupção gestacional prevista em lei” é um dos finalistas na categoria Saúde do 7º Prêmio Espírito Público, organizado pelo Instituto República.org, que reconhece e valoriza profissionais públicos.
O programa da Secretaria de Estado do Distrito Federal teve sete edições ao longo de quatro anos. A procura por esse tipo de qualificação vem aumentando a cada edição, segundo a assistente social Alexandra Trivelino, que faz parte tanto do curso, quanto do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei (PGIL). O serviço presta assistência a mulheres, meninas e homens trans que engravidaram.
No país, há poucos locais que prestam esse tipo de serviço. Segundo os promotores do curso, somente 3,6% das cidades brasileiras dispõem de serviços especializados para interrupção da gravidez, mesmo sendo um direito das mulheres que engravidaram em decorrência de violência sexual. Uma das razões para a escassa disponibilidade é que o aborto, mesmo previsto em lei, ainda é visto como um tabu, impedindo que esse serviço seja compreendido como uma questão de saúde pública.
Procura de profissionais pela qualificação aumentou ao longo dos anos
“Até agora, cerca de 450 pessoas participaram de todas as sete edições do curso. Nas quatro primeiras edições, o número de inscritos oscilou entre 20 e 40 participantes. No entanto, nas três últimas edições, a quantidade foi elevada para 100. Nosso objetivo é ampliar ainda mais, mas o auditório do hospital, que é utilizado para as aulas presenciais, tem se mostrado bastante cheio. O curso possui uma carga horária de 20 horas e é exclusivamente ministrado presencialmente”, esclarece a assistente social.
A formação inclui discussões sobre desigualde de gênero, notificação de casos e recepção de indivíduos em situação de violência sexual, tanto crônica quanto aguda. Também aborda a profilaxia após violência sexual, os aspectos jurídicos da interrupção da gravidez prevista por lei e a entrega legal para adoção. Há, ainda, a participação de promotores do Núcleo de Gênero do Ministério Público e da Defensoria Pública. Um dos focos é evitar que o atendimento cause ainda mais sofrimento e garantir acesso a espaços seguros.
Curso tem aulas gratuitas e emite certificado
A qualificação, que prevê a emissão de certificado, é destinada a médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e a todos os profissionais que lidam diretamente com as vítimas. A equipe organizadora conta com o apoio financeiro do Sindicato de Enfermeiros do Distrito Federal e da associação de especialistas em saúde, podendo oferecer aulas totalmente gratuitas.
“Além de discutir todas as questões sobre a forma de atendimento e o direito das vítimas, frisamos que o profissional não pode agir como determina suas questões morais, religiosas ou ideológicas. O curso mostra ainda que ações, como a interrupção de uma gestação, têm amparo legal conforme o Artigo 128, inciso II, do Código Penal”, explica Alexandra Trivelino.
Simulação realista de atendimento faz parte da programação
Na parte final do curso, é realizada uma simulação realista do atendimento. Uma atriz, que já é especializada na questão, é contratada pelos organizadores para fazer o papel de uma vítima de violência sexual. Dois alunos voluntários participam da encenação. Após a performance, é aberto um debate sobre o que foi encenado.
É fundamental que o profissional tenha familiaridade com protocolos de atendimento, como os de prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e contracepção de emergência, além da coleta de evidências e do suporte psicológico e social.
Violência sexual e aborto devem ser vistas por uma lente social
Segundo os realizadores do curso, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que a violência sexual atinge majoritariamente meninas e mulheres negras. Informações da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indicam também que há maior probabilidade de mulheres negras realizarem um aborto.
O profissional precisa estar capacitado para identificar e atender questões relacionadas à violência sexual, pricipalmente levando em consideração as condições de populações mais vulneráveis, a fim de prevenir agravos de saúde mental e física. Isso é uma estratégia importante de prevenção de causas evitáveis de mortalidade materna.
Entre os planos para expandir a iniciativa está a proposta de curso a distância para que os participantes não precisem deixar seus locais de trabalho. A implementação desse formato de ensino exigiria apoio institucional, mas não envolveria custos desproporcionais para um alcance mais eficiente.

