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Internet leva cidadania ao interior do Paraná e transforma vidas

Política inovadora troca ICMS por instalação de torres de transmissão e conecta pequenas comunidades rurais excluídas do mapa digital

 

“Hoje, a internet é igual a água, a oxigênio. É vida, é cidadania. Estamos levando conectividade no intuito de levar cidadania.” A fala emocionada do engenheiro agrônomo Júlio César de Oliveira, coordenador de Políticas Públicas de Inovação do Paraná, resume a essência do Programa de Conectividade Rural, finalista do Prêmio Espírito Público, patrocinado pela Republica.org, na categoria Gestão e Transformação Digital.

Com 98% do território paranaense localizado na área rural, até pouco tempo atrás quase metade dele permanecia desconectado. Em 2023, um mapeamento técnico identificou cerca de 920 localidades sem qualquer acesso a telefonia ou internet. Eram vilas, assentamentos, comunidades quilombolas e povoados com menos de mil habitantes – territórios invisíveis para as grandes operadoras, que não viam retorno financeiro para investir.

Sem acesso, agricultores enfrentavam dificuldades para receber crédito; jovens precisavam caminhar quilômetros para conseguir sinal e estudar; famílias ficavam sem falar com os filhos que migraram para as cidades. “Eu penso sempre numa senhora que mora no interior, sem acesso à internet, e só fala com o marido há anos. Os filhos foram embora, os netos estão longe. Só vou descansar quando ela puder fazer uma chamada de vídeo com a família”, conta Júlio.

O projeto nasceu em 2023 e rapidamente se consolidou como política de estado. Envolveu 17 órgãos do governo e adotou metodologias modernas de gestão, como Business Intelligence (BI), Análise Hierárquica de Processos (AHP) e design thinking, para priorizar áreas de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e com predominância de agricultura familiar, rios, matas e alta vulnerabilidade social.

 

Gestão moderna e criatividade fiscal

A grande inovação do projeto foi criar mecanismos inéditos de fomento e de financiamento. Em vez de depender de orçamento público, o Paraná criou um regime especial de compensação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que atraiu investimentos privados. Assim, créditos de impostos foram convertidos em infraestrutura feita por investimentos privados.

A estratégia deu certo: a TIM já se comprometeu a instalar 116 torres de transmissão; a Claro, 382; e a Vivo outras 411 torres. No total, serão quase 900 novas estruturas até 2027, sem gasto direto do Tesouro estadual. Dessas, cerca de 500 torres já estão em funcionamento.

Júlio apelida essa estratégia de “corrida do bem”. “Brinco com as operadoras: ‘Vocês vão deixar a concorrente ser a primeira do estado?’ Essa competição saudável acelera a instalação das torres. Quem ganha é o cidadão do campo”, afirma.

Com o projeto, entre 2023 e 2024, a cobertura rural saltou de 51,45% para 61,17%, beneficiando diretamente mais de 300 mil pessoas. Cada torre cobre cerca de 6 quilômetros de raio, conectando estradas e povoados inteiros. Histórias começam a mudar: estudantes que não precisam mais andar quilômetros por sinal, agricultores que acessam aplicativos de clima e crédito, e produtores que conseguem vender em plataformas digitais.

Um exemplo citado por Júlio é o de Guaraqueçaba, no litoral do estado, onde, segundo ele, são produzidas as melhores ostras do Paraná. “Sem internet, o produtor não tinha como vender. Agora, ele pode anunciar online e receber compradores de Curitiba diretamente na comunidade.”

 

Modelo que inspira outros estados

Além dos ganhos sociais, o impacto econômico também é relevante. De acordo com o coordenador do projeto, estudos do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) estimam que apenas os acordos com duas operadoras de telefonia – a TIM e a Claro – gerarão R$ 2 bilhões em retorno para o estado do Paraná, além de cerca de 40 mil empregos formais e informais e arrecadação de R$ 213 milhões em ICMS.

O projeto ainda está em andamento. Até 2026, a expectativa é que todas as localidades rurais do Paraná estejam conectadas. A estratégia já desperta interesse de outros estados, como Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Tocantins e Piauí, que buscam entender a experiência paranaense.

Para Júlio, o programa vai além da tecnologia. É sobre direitos. “Não estamos apenas instalando antenas, estamos ampliando horizontes. Quando um aluno rural pode competir de igual para igual com um da cidade, quando uma agricultora consegue falar com os filhos, quando uma comunidade inteira passa a existir digitalmente, isso é cidadania”, afirma.

Agrônomo e também teólogo, Júlio fala do projeto com a paixão de quem enxerga nele quase uma missão pessoal. “Cada torre que se ergue é como se fosse uma vitória. Eu vibro, porque sei que ali a gente está levando vida, dignidade, igualdade. Internet no campo não é luxo. É oxigênio.”