Primeira edição do CPNU selecionou mais de 6 mil servidores em processo inovador, que agora é finalista do Prêmio Espírito Público.
O Brasil assistiu, em 2024, a uma experiência inédita na forma de recrutar servidores públicos federais. O Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) reuniu 6.640 vagas de diferentes órgãos e entidades em um único processo seletivo, realizado simultaneamente em 228 cidades do país.
A iniciativa, coordenada pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), tornou-se um marco não apenas pela escala, mas também pela proposta de ampliar a diversidade, reduzir desigualdades de acesso e modernizar os métodos de seleção do Estado brasileiro. O CPNU é um dos finalistas na categoria Gestão de Pessoas do Prêmio Espírito Público, organizado pela República.org.
Pioneiro no país, o modelo se inspirou em experiências internacionais, como da França, Portugal e Espanha, e também em práticas já consolidadas na área da educação, como o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que dispõem de processos de ingresso. O resultado foi a criação de um “Enem dos concursos”, como ficou popularmente conhecido.
Em 2024, o CPNU atraiu candidatos de 5.555 municípios (restando apenas 15 municípios brasileiros sem candituras) e garantiu, segundo os organizadores, uma representatividade inédita nos aprovados: 24,8% negros, 6,8% pessoas com deficiência e 2,3% indígenas. No total, 6.719 candidatos foram selecionados.
Renovação do serviço público com equidade e eficiência
Para a diretora de Provimento e Movimentação de Pessoal do MGI, Maria Aparecida Chagas Ferreira, a principal conquista do CPNU foi devolver ao Estado a capacidade de repor e renovar seus quadros após anos de escassez. “Tínhamos órgãos que ficaram mais de uma década sem concursos, com áreas estratégicas paralisadas. O CPNU possibilitou não apenas recompor a força de trabalho, mas fazê-lo de forma mais justa, inclusiva e transparente”, afirma.
Entre as inovações, o CPNU adotou blocos temáticos que agruparam cargos por áreas de atuação, como gestão governamental, tecnologia da informação e políticas sociais. O objetivo foi alinhar os perfis dos candidatos às demandas reais da administração pública, fugindo da lógica meramente conteudista.
Apesar de as mulheres terem sido maioria nas inscrições, elas representaram apenas 36,9% dos aprovados. Para corrigir a distorção, a segunda edição do concurso, já em preparação, incluiu mecanismos que buscam garantir a mesma proporção de homens e mulheres em todas as fases do processo. “Queremos que mais mulheres cheguem às etapas finais e ampliem sua participação nos cargos estratégicos do governo”, explica a diretora do MGI.
Uma ação nacional corajosa com mobilização de diversas instituições
Realizar provas simultaneamente em todos os estados exigiu uma complexa operação nacional, que mobilizou o Ministério da Justiça, a Polícia Federal, polícias militares, secretarias de segurança estaduais, os Correios e até a Advocacia-Geral da União (AGU), que estruturou uma força-tarefa para lidar com eventuais judicializações.
Segundo Maria Aparecida, essa articulação foi o verdadeiro “pulo do gato” do projeto. “O CPNU só foi possível porque construímos uma rede de apoio político, jurídico e técnico que sustentou o processo. Sem isso, não conseguiríamos vencer a incredulidade inicial e os enormes desafios logísticos”, avalia.
A iniciativa também inspirou governos estaduais. Pernambuco, por exemplo, lançou um concurso unificado para 455 vagas, e a discussão sobre ampliar esse formato a estados e municípios já aparece em projetos de lei relacionados à reforma administrativa.
Para Maria Aparecida, o CPNU é também um convite à ousadia no setor público. “Inovar exige coragem, resiliência e apoio das lideranças. O concurso unificado mostrou que é possível modernizar sem abrir mão da impessoalidade e do mérito, ampliando o acesso e fortalecendo a confiança da sociedade no serviço público.”
Ampliação de oportunidades e abertura de novos caminhos
Entre os aprovados na primeira edição do CPNU, está Douglas Andrade da Silva, de 36 anos, servidor público há cerca de uma década. Ele já trabalhava no MGI como analista técnico-administrativo, mas viu no CPNU a oportunidade de ascender na carreira. “Coloquei como primeira opção o cargo de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), que é transversal e permite atuar em diferentes ministérios. Consegui a nota necessária e fui aprovado exatamente nesse cargo”, relata.
Douglas destaca como inovação a possibilidade de concorrer a vários cargos dentro de um mesmo bloco. “Tradicionalmente, cada concurso é feito para um cargo específico. No CPNU, podíamos escolher uma ordem de prioridades e concorrer a várias posições. Isso dá mais chances ao candidato e ajuda o Estado a alocar perfis de acordo com as demandas”, diz.
Ele acredita que o modelo trouxe também ganhos de diversidade e alcance. “No curso de formação que fiz na Enap, a maioria dos colegas não era de Brasília, mas de outros estados e regiões do país. Isso mostra que o CPNU conseguiu ampliar a representatividade geográfica.”
Douglas vê no novo cargo um caminho de evolução profissional. “A única forma de mudar de cargo no serviço público é por meio de concurso. Esse modelo unificado abriu uma porta importante, oferecendo mais mobilidade, remuneração melhor e a possibilidade de atuar em políticas públicas de forma mais estratégica”, afirma.