Rosinadja Morato, Gestão de Pessoas (2020)
Conheça a vencedora na categoria Gestão de Pessoas, Rosinadja Morato, que desenvolve um projeto notável no Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). No comando da sua equipe, transformou o método de capacitação de pesquisadores, promovendo um olhar mais diverso e empático naqueles que lidam diretamente com a pluralidade do país.
Aliás, pluralidade é algo que Morato conhece desde a infância. Nascida em Pedrinhas, município do estado de Sergipe com cerca de 10 mil habitantes, é a filha mais nova de quinze irmãos. Cresceu com apenas parte deles, já que alguns foram para São Paulo antes mesmo dela chegar ao mundo. A experiência com os que ficaram lhe proporcionou, como ela mesma diz, “um laboratório social tremendo”.
Crescer ao lado de tantas pessoas fez com que a analista de planejamento aprendesse observando os passos dados pela família. Foi assim que Morato desenvolveu – ainda na infância – competências que a acompanhariam pelo resto da vida. Em casa, aprendeu a viver com o outro em sociedade, a importância de respeitar as diferenças e, principalmente, a capacidade de negociação.
Durante sua trajetória acadêmica, Morato também precisou lidar com grupos grandes e diversos. Na Escola Agrotécnica, onde estudou em regime de internato, dividiu quarto com 16 colegas. Incentivada a estudar desde cedo, destacou-se na escola e conseguiu uma bolsa com 17 anos. Como bolsista na equipe de informatização, ficou responsável por ensinar como fazer uso dos computadores aos funcionários da escola, novidade na época. O pai, servidor público, despertou o sonho de trabalhar no funcionalismo. Mas, diferente do restante da família, Rosinadja Morato sempre fugiu da área de gestão de pessoas.
Chegou a prestar vestibular para computação, mas a vida fez Morato tornar-se administradora após uma decisão súbita na fila de inscrição da universidade. Apenas um ano depois de concluir a graduação, foi aprovada no concurso para a Prefeitura de Pedrinhas e ficou grávida de sua primeira filha. O nascimento da pequena veio pouco antes da aprovação de Morato no mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe.
Foi nessa época que o serviço público mais uma vez se uniu à maternidade. Ainda no mestrado, foi aprovada no concurso para o Banco de Estado de Sergipe (Banese) e teve uma surpresa: estava grávida de gêmeos. O equilíbrio entre a vida de mãe, acadêmica e servidora atingiu outro nível. Mas nada que abalasse a administradora: concluiu o mestrado, permaneceu no Banese por uma década e, por dois anos, dividiu seu tempo no banco com a atuação como professora à distância na graduação do programa Universidade Aberta do Brasil, pela Federal de Sergipe. Em 2012, Rosinadja Morato ingressa no Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) como Analista de Planejamento da unidade de Sergipe. Começava ali mais um importante capítulo de sua história.
Logo nos primeiros anos no IBGE, a administradora notou um problema: o percentual de respostas coletadas era muito abaixo do esperado. Morato foi investigar a raiz da questão. Percebeu que em sua equipe, formada em maioria por contratados, o atraso nos prazos estabelecidos era fruto do medo dos profissionais de serem dispensados precocemente. Era necessário mudar a gestão dos processos e das pessoas, resgatando a autoestima da equipe e a plena compreensão da relevância social dos serviços prestados.
A sergipana promoveu um processo de capacitação permanente dos funcionários, atingindo a formação de cada um enquanto cidadão e, consequentemente, impactando no trabalho. A capacitação dividiu-se em etapas: introduzir o conteúdo, aplicá-lo e entender as qualificações de cada profissional. Como forma de garantir a motivação permanente do grupo e um olhar voltado para a diversidade, Morato implementou o projeto EconCine. Nele, a equipe se reúne para assistir e debater filmes com temáticas ligadas à gestão e questões sociais, onde cada sessão é apresentada por um membro do grupo. O objetivo, além de desenvolver a capacidade de oratória do indivíduo, é promover a compreensão das pluralidades sociais, habilidade fundamental para quem trabalha com pesquisa.
Após um ano, as transformações realizadas por Morato causaram grandes resultados no IBGE. Como efeito da motivação do time, as respostas coletadas cresceram e passaram a ser entregues no prazo previsto. A unidade de Sergipe passou a figurar entre as 10 melhores do Brasil em diferentes índices da instituição. As mudanças foram tão positivas que se tornaram referência para outros estados e o projeto conquistou o 2º lugar no concurso Práticas Inovadoras em Gestão do IBGE. Histórias como a de Rosinadja Morato mostram a importância de capacitar pessoas e trazer significado ao que fazem.
Como você demonstrou a importância do trabalho feito pelo IBGE para o seu time?
Ir para o IBGE foi um choque cultural muito grande, após ter trabalhado por 10 anos em um banco. Nunca fui atraída por cargos de liderança e sempre fugi de gestão de pessoas, mas fui estudar a pesquisa que estava em andamento com a equipe para fazer uma nova configuração de trabalho. Fiz parceria com o RH para entrevistar as novas pessoas que seriam contratadas, o que não é prática do serviço público. Implementei um questionário que não era feito antes para saber a experiência anterior dos entrevistados, formação, trabalhos realizados e o quanto conheciam o IBGE. Na semana de treinamentos, fugi do tradicional, onde eram levados para conhecer o instituto, as pesquisas e realizavam um treinamento técnico. Elaborei treinamentos de gestão de planejamento, gestão de tempo, comunicação e apresentação, utilizando dinâmicas de trabalho em equipe. Precisei estudar as dinâmicas para conseguir aplicá-las. No fim, a equipe conseguiu internalizar isso e assumir uma postura muito profissional. Foi quando batemos a meta e atingimos resultados extraordinários, o que causou a diferença e chamou a atenção das pessoas, inclusive da sede da instituição, no Rio de Janeiro.
Qual o principal desafio que você superou para motivar sua equipe de trabalho?
Cultura da organização. Porque você não tem punição nem recompensa para batimento de meta. Então como você motiva alguém? Isso foi desafiador. Fui negociando com o que eu tinha. Folga no dia de aniversário e semana de folga para quem batesse a meta no final. Criei uma homenagem por desempenho. Sempre mencionava os nomes dos funcionários nas reuniões, todas as decisões eram compartilhadas. No primeiro ano, me vi em um dilema, pois toda a equipe ia sair de uma vez só, então criei um sistema de mentoria para receber os novos funcionários. Nele, os antigos formavam duplas com os novos, passavam adiante o que já sabiam e assim criamos um ciclo virtuoso. Também precisei integrar pessoas novas durante a pandemia, o que foi um grande desafio, mas tem dado certo.
O que leva à desmotivação no serviço público?
Um dos maiores problemas é a falta de reconhecimento. Costumamos dizer que o servidor público é punido por ser bom. Porque se você é bom, toda a responsabilidade do trabalho passa a ser sua. Você se torna aquele que não pode ser dispensado, não pode tirar folga e nem licença. Temos um problema por conta da descontinuidade da gestão, fator que é compreensível e contornável. Mas existe no Brasil a cultura da crítica e não do elogio, onde você sempre está disposto e disponível para dar o feedback de correção, mas nunca o do acerto.
Qual a parte mais difícil do trabalho no IBGE?
Existe por parte da população um pouco de desconfiança com o nosso trabalho. Nosso grande desafio hoje é a população brasileira se reconectar com a importância de ter essas informações que subsidiam políticas públicas. Trabalhamos com dados sensíveis, não pedimos dados de identificação. Mas temos uma responsabilidade muito grande com a qualidade dos dados e a veracidade das informações. É um compromisso com o povo brasileiro e prezamos muito por isso. Apesar de tudo temos sobrevivido, são 88 anos firmes e é uma instituição que nos orgulhamos de trabalhar. É um prazer muito grande fazer uma coisa que você sabe o tamanho da importância.
O que te levou a estudar áreas de conhecimento tão distintas?
Sou viciada em estudar e preciso ser aluna de alguma coisa. Estudo desde os dois anos de idade e, ao longo dos meus 47, só fiquei fora da escola por um ano. É impressionante como essa trajetória de ter trabalhado com diferentes coisas me ajuda hoje. Achava que não ia servir pra nada essa colcha de retalho, mas serviu. Decidi cursar Administração na fila de inscrição do vestibular. Quando prestei prova para o mestrado, pedi licença sem remuneração para estudar. Vi no curso de Letras – Inglês, minha segunda graduação, a oportunidade de aprender outro idioma, só não sabia que a formação era para dar aulas depois. Pensei em fazer o curso com calma, mas no fim, me formei em quatro anos. No caso da Sociologia, o utilitarismo no IBGE falou mais alto. Durante a aproximação com o curso surgiu a ideia de fazer, na faculdade, uma pesquisa sobre imigração no Norte-Nordeste, que envolve questões de mapeamento e pesquisa que tem tudo a ver com as minhas competências. Acabei me encaixando bastante, inclusive, sou representante de turma. Sou apaixonada pela universidade. Quando morrer, quero que minhas cinzas sejam jogadas lá, em alguma árvore. Sou muito grata porque a universidade me abriu as portas e se transformou em um portal de vida.
Nosso grande desafio é a população brasileira se reconectar com a importância de ter informações que subsidiam políticas públicas.
Como foi conciliar a maternidade, o trabalho e os estudos?
Eu sempre digo que o gostar tira o sacrifício. O momento do estudo, pra mim, é equivalente ao momento do lazer. Desde cedo ensinei meus filhos a terem autonomia. Foi o aprendizado que eu tive porque meus pais eram analfabetos, então ninguém me ensinou a estudar. No início eu lia para eles, a partir do momento que eles aprenderam, passaram a fazer as atividades por conta própria. Tive a oportunidade de ter contato com adolescentes durante o curso de Letras enquanto criava meus filhos com a mesma idade. Essa interação com os meus colegas me proporcionou melhorar minhas atitudes enquanto mãe. Isso me ajuda também no trabalho, porque eu tenho uma linguagem com os meninos mais jovens do IBGE que se aproxima deles. Conheço as músicas, filmes e séries que eles assistem, até as gírias que eles usam, por conta dessas experiências.
De que forma os filmes têm auxiliado nos debates com a sua equipe?
Com os debates, eles trabalham muito a capacidade de oratória. O projeto surgiu deles. Quando terminamos o ciclo da pesquisa, ficamos aguardando as próximas. Nesse intervalo, começamos a falar sobre tudo, inclusive sobre filmes e séries. Foi quando sugeri assistirmos o mesmo filme no final de semana e discutirmos na segunda. Perguntei o que eles achavam de eu pedir autorização para debater o filme dentro da instituição. Me pediram uma justificativa para o projeto, foi quando aleguei a capacidade de oratória ser debatida por um membro da equipe a cada filme diferente. Discutimos diversos temas, como meio ambiente, racismo e transfobia, para engajar a unidade toda.
De que forma levantar o debate sobre diversidade impacta no trabalho da pesquisa?
Todo final de sessão sempre fazemos uma avaliação de reação para entender de que forma aquilo contribuiu para o trabalho da pessoa e para sua vida pessoal. Assim, percebi que estava se formando ali uma consciência cidadã e tornando as pessoas mais compreensivas e tolerantes. Levamos para debate a primeira mulher trans que a universidade reconheceu o nome no diploma e hoje é a vereadora mais votada de Sergipe. As discussões que trazemos nos filmes ajudam muito nos debates. Dessa forma, vamos plantando sementes.
Quais desafios você enfrentou sendo uma mulher, parda e do interior para chegar onde está hoje?
Eu sou daquelas que passei a vida acreditando no “não racismo”. Não me identificava como negra dentro da minha ignorância social. A minha condição de cor aflorou quando mudei para a capital. Até então, os preconceitos que sofri foram pela minha condição de renda. Eu sempre tive barreiras pela pobreza. Encontrei os primeiros traços de racismo nas entrevistas de emprego e em um relacionamento. Mas eu tenho isso acumulado por ser do interior, mulher, pobre, negra e nordestina. O preconceito é a todo instante.
A maternidade modificou o seu olhar para o trabalho?
Não, porque eu sou um ponto fora da curva. Meu desejo de ser mãe vem desde pequena e eu gostaria de ser mãe de um time de futebol. Já tinha decidido o nome dos filhos, usava até barriga de mentira para tirar foto no espelho. Eu digo que cada filho meu trouxe uma riqueza para a minha vida. Após ter a minha primeira filha, ingressei no mestrado. Quando tive meus filhos gêmeos, passei para um concurso. Quando eu engravidei da terceira filha, eu estava em três empregos. Enquanto as pessoas dizem que filho só traz despesa, os meus me trouxeram riqueza.
É a partir das pesquisas que você consegue entender os fenômenos, os processos e tomar decisões com luz.
Você demonstra grande vínculo com a academia. Qual a importância da universidade na sua vida?
A universidade, pra mim, é tudo. Meu sonho era trabalhar lá, mas eu não gosto de dar aula. Mas eu gosto muito de pesquisa e extensão. Sou voluntária em todas as extensões possíveis e muito institucionalizada, sou amiga dos professores e funcionários.
Qual a importância da pesquisa para o Brasil?
Sou muito suspeita para falar, mas eu acho que é super importante. É a partir das pesquisas que você consegue entender os fenômenos, os processos e tomar decisões com luz. Tendo essas informações em mãos, principalmente o gestor público, você otimiza recursos porque tem direcionamento. Tem uma informação que lhe dá condição de perceber se aquilo está certo ou não e corrigir rumos. O Brasil precisa se voltar ainda mais para isso e valorizar seus pesquisadores.
Qual a grande diferença entre gerir uma equipe de trabalho e uma equipe de alunos?
É o exemplo. Na sala você fala, no trabalho você faz. Você consegue, inclusive, orientar as individualidades, o que é mais difícil na sala de aula. Para mim, o professor que consegue manter uma aula fluindo é um guerreiro. Eu tenho um respeito imenso pelos meus mestres. É uma profissão ímpar, ingrata, mas importantíssima.
Qual o maior aprendizado que você pretende deixar para os seus filhos?
Eu espero que eu esteja passando para eles a lição da persistência e da responsabilidade. As pessoas associam muito meu nome e o do pai deles a isso. É uma coisa que carregamos desde a época de alunos e enquanto profissionais trouxemos isso. A palavra empreendida é um legado do meu pai. Sempre digo para terem cuidado com o que se comprometem, pois o que é prometido tem que ser entregue. Nunca deixe ninguém à mercê de sua promessa. Integridade e respeito acima de qualquer coisa.
O que você aprendeu de mais valioso ao longo da sua carreira?
A humildade, e quem me ensinou isso foi o curso de Letras. Sempre fui a aluna top 10, mas nas disciplinas do outro idioma eu não conseguia ter rendimento, mas precisava me associar. Esse curso foi uma mega terapia. Ali eu aprendi que tem sempre alguém que sabe mais que você e pode contribuir com o seu aprendizado. Tento imprimir a prática de boas ideias, pois eu não quero que minha equipe perca suas ideias e motivação. Eu sempre vou ter algo a aprender e sempre algo a ensinar, e essa troca é tudo. Quem chega contribui, quem está também e essa troca enriquece.