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“O servidor público às vezes sabe que não vai atingir o resultado esperado naquele momento, mas ele precisa ser ouvido.”
Neirian Quadros, Gestão de Pessoas (2020)

Neirian Quadros, Gestão de Pessoas (2020)

Conheça a vencedora Neirian Quadros, que através de uma gestão de pessoas efetiva tem garantido uma melhora significativa na educação do estado do Amapá, por meio de programas de apoio a estudantes e servidores. Seus projetos promoveram a criação de oito leis voltadas para profissionais da área. Mas, antes de transformar a vida de milhares de pessoas, seu caminho quase a levou a trabalhar com outro tipo de gestão: a de negócios.

Natural do Pará, Quadros mudou para o Amapá ainda muito nova. Passou boa parte da vida morando com os avós para estar mais perto da escola, já que no local onde vivia antes, no interior do estado do Pará, o acesso era mais restrito. A mudança permitiu que ela estudasse e tivesse boas lembranças da infância, que recorda até hoje junto da avó, de 110 anos. Por muito tempo, sonhou em ser empresária e ter o próprio negócio, mas a ideia de trabalhar no funcionalismo público fez com que seus planos mudassem. Em 2001, fez concurso para assistente administrativa da Secretaria de Estado da Administração e foi aprovada. Viu ali a oportunidade de estar próxima de pessoas, algo que sempre gostou, e desenvolver uma carreira.

Em paralelo, formou-se em Administração e fez pós-graduação em Planejamento e Políticas Públicas. Com este currículo, Quadros poderia atuar em diversas áreas, mas nenhuma a fazia tão feliz quanto a gestão de pessoas. Em 2016, surgiu a chance de trabalhar na Secretaria Adjunta de Gestão de Pessoas, em conjunto com a Secretaria de Educação do Estado do Amapá. Foi lá que Quadros deparou-se com seu maior desafio no serviço público: transformar a gestão de ensino do estado. Ela identificou problemas organizacionais que iam desde serviços descentralizados até falta de professores e folha de pagamento sem gestão. Todos eles contribuíam para um grande déficit educacional.

Os conhecimentos técnicos de Quadros foram importantes para promover mudanças no sistema, mas sua formação em coaching mostrou-se fundamental para motivar os servidores a criar uma nova perspectiva em seu ambiente de trabalho. Ela entende que todo o processo passa por pessoas, e são elas que promovem a verdadeira mudança. Reuniões com o Sindicato dos Professores tornaram-se frequentes, além da integração de setores diferentes dentro da Secretaria para coordenar ações, sempre com um objetivo em comum: melhorar a qualidade da educação no estado.

A partir das demandas existentes, foi criado o centro de atendimento Super Fácil Educação, que unificou todos os servidores em um único lugar; o centro de valorização para profissionais da educação e estudantes (Ceveduc), com atendimento médico e psicológico para todo o grupo; além da Agenda do Servidor e um programa de formação continuada para profissionais da categoria. Os resultados garantiram mais professores em sala de aula, redução do gasto público com contratações temporárias, formação continuada para mais de sete mil profissionais da educação, diminuição significativa na taxa de suicídio de jovens na região e um ambiente de trabalho humanizado.

Graças ao impacto dessas ações, foram criadas oito leis que beneficiam diretamente professores e servidores da área. Neirian Quadros contribuiu de forma significativa para a capacitação de milhares de servidores e os ajudou a compreender a importância de um sistema organizado e estruturado. Mas o principal investimento de Quadros foi no desenvolvimento de pessoas. Afinal, são indivíduos como ela que promovem as grandes mudanças.

Em que momento você percebeu que tinha talento para gestão de pessoas?

O meu entendimento de que eu era boa em gerir pessoas veio do coaching. Passei a ouvir mais. ‘Qual a necessidade do outro?’ Até hoje eu faço um exercício fundamental.

Vou para a área de frente, que é o atendimento, observar, escutar e às vezes até atender. Esse processo de escuta é fundamental. Não tem como você ser um servidor público ativo se você não for empático. Se você não tiver empatia pelo que você faz e pelo outro, não dá. O servidor público às vezes sabe que não vai atingir o resultado esperado naquele momento, mas ele precisa ser ouvido.

É preciso olhar no olho, escutar atentamente. Ele fica feliz quando você diz que entendeu a necessidade dele, mesmo que não seja a resposta esperada. Esse lado da empatia é fundamental. Quando somos empáticos, quebramos crenças limitantes de que não podemos, não sabemos ou não dá. Tem muitas pessoas dispostas e comprometidas a fazer serviço público. Mas muitas pessoas não fazem porque elas não sabem. É quando entra a capacitação e treinamento constante. Ser comprometido hoje não é suficiente, tem que ser engajado, buscar capacitação.

Não tem como você ser um servidor público ativo se você não for empático.

De onde surgiu o interesse em cursar Administração?

Vem do sonho de ter o próprio negócio. Eu sabia que fazer administração iria aumentar ainda mais esse sonho, ali poderia adquirir conhecimento suficiente para realizá-lo.

Neirian Quadros, Gestão de Pessoas (2020)

Existem alguns estigmas envolvendo a atuação profissional do coaching. Como você enxerga isso e de que forma essa formação foi importante para você?

Eu escolhi fazer minha primeira capacitação em coaching para melhorar como pessoa e agente público. Já me tornei uma pessoa melhor por isso. Na segunda formação, coaching de liderança, comecei a colocar para fora, para o outro. Ainda temos esse estigma muito forte, até em casa.

Minhas filhas às vezes brincam dizendo ‘lá vem a mamãe dar palestra de coaching’, quebrar isso não é fácil. Tentei quebrar a crença limitante das pessoas, não é fácil, ainda faço isso todos os dias. O coach não direciona ninguém, ele ajuda você a encontrar seus caminhos e realizar seus propósitos de uma forma mais rápida. Qualquer pessoa consegue atingir seus objetivos com engajamento para o propósito que se destinou.

Como foi o processo de criação e implementação do programa Super Fácil Educação?

É a mesma ideia do Poupa Tempo, mas voltado para serviços educacionais e público interno. Na educação, existem em torno de dez protocolos de atendimentos diferentes. Resolvemos unificar todos os serviços em um único local. As pessoas iam para fazer perguntas, então criamos protocolos de serviço para atuar com o programa. Desenhamos todos os serviços relacionados às necessidades dos servidores. Dizíamos qual era o serviço, quais eram os protocolos necessários. No Super Fácil Educação, todos os atendentes conhecem do negócio, qual era a missão e o que era necessário para ter um atendimento de excelência. Construímos um prédio super agradável, atendimento ao servidor público, estudantes e pais. Ainda agregamos e diretores também foram agraciados. No estado do Amapá possuímos 16 municípios, existem lugares onde servidores passam 8 horas de carro e até três dias de viagem até a capital. Demos o mínimo de humanidade para eles, para que pudessem fazer o seu mini escritório para ser atendido pela Secretaria de Educação.

E a criação e implementação do Centro de Valorização dos Servidores e Estudantes?

Grande parte dos professores e alunos estavam doentes, precisávamos ter um olhar mais humano para essas pessoas. Precisávamos de uma capacitação externa para atender esse público. O diretor, por exemplo, é um cargo de exoneração do governo, mas ele precisava ir para a escola já com esse conhecimento, necessário para ter uma boa gestão. Então criamos uma trilha de conhecimento: qual a escola, quantos alunos, quais recursos ele tinha para fazer gestão e onde ele aprendia a prestar contas do serviço público.

Criamos também a parte de atendimento preventivo, relacionado a parte psicológica, nutricional e física. Oferecemos 13 serviços relacionados à parte de prevenção e fazemos atendimento de prevenção à saúde física e mental. Parte do atendimento psicológico era espalhado nas escolas. Centralizamos o serviço, o que também recai sobre a boa prática da aplicação do serviço público.

Grande parte dos professores e alunos estavam doentes, precisávamos ter um olhar mais humano para essas pessoas.

Como a pandemia impactou os programas criados?

A pandemia foi um grande desafio para todos nós, tanto como servidor público como cidadão. O serviço público não podia parar. Os processos na educação estavam estruturados e de repente tivemos que correr para adaptá-los por conta da pandemia. O centro fechou, mas todos os psicólogos começaram a atuar com alunos e professores a partir de lives nas redes sociais.
Até então não se utilizava a live para fazer trabalhos, principalmente no serviço público. Começamos a utilizar a ferramenta de forma gratuita, o que não gerou um impacto financeiro. Nesse processo, o grande desafio é a transformação digital, a pandemia acelerou isso. Começamos a dar celeridade para essa transformação, em todos os órgãos. A secretaria começou a atuar fortemente por meio de lives no instagram, reunião do Zoom e meet. Avançamos muito no Amapá.

Quanto tempo levou para que essas mudanças acontecessem?

A saúde foi o serviço mais impactado com a pandemia. Temos no estado do Amapá o Centro de Tecnologia para todos os sistemas. Sistema público utilizado para processos, tramitação e gestão de processos quase que imediatos, isso facilitou muito que a Secretaria de Educação não paralisasse e nem os programas ofertados. Criamos e-mails e uma força tarefa para que o servidor pudesse fazer seu trabalho de casa.

No que pudemos agregar fizemos e nada ficou paralisado. Esse processo da pandemia nos trouxe uma grande reflexão de derrubar muros e construir pontes para agregar. Essa conectividade com o cidadão é sempre muito bem-vinda.

Qual a história mais marcante que você soube de alguém impactado pelo projeto do centro de valorização dos servidores da educação e estudantes?

O caminho na educação não foi nada fácil. Acabamos vivenciamos situações que marcam e melhoram a gente enquanto ser humano. Logo que criamos o centro, estávamos com uma questão muito forte por conta do índice de suicídio, muito grande na região. Quase todo dia existia um aluno nessa situação. Depois do programa mapeamos situações, pedimos para que os alunos procurassem o centro.

Tivemos uma aluna que foi ao centro e passou dois meses com consultas semanais. Ela um dia nos disse que tentou tirar a vida por várias vezes e que encontrou ali pessoas que puderam ajudá-la para que isso nunca mais aconteça. Foi tão emocionante a educação para mim, que eu conheci pessoas que transformaram a minha vida e a vida dela. Saí de lá com pessoas transformadas. Jamais vou esquecer esse processo. Desenvolver essas boas práticas no setor público não tem preço. Não tenho os números exatos das taxas de suicídio, mas hoje pouco ouvimos falar de suicídio no Amapá. O centro hoje é sustentado pela vontade do servidor.

Qual foi o seu principal desafio na hora lidar com servidores da educação adoecidos pelo sistema do estado? Existe alguma história que te marcou mais?

Na educação temos servidores com carreira quase no fim, em época de aposentadoria, e servidores relativamente novos. Nos anos de 2013 e 2014, eu ouvia muito a frase ‘só espero minha aposentadoria chegar’. Buscamos maneiras de aproximar esse servidor para que durante aquele período ele pudesse fazer a diferença na vida de alguém. Tem uma servidora, Faustina, que vivia isolada, esperando a aposentadoria.

Mas ela era falante e tinha um potencial que poderia agregar muito valor ao nosso trabalho. A convidamos para fazer parte do processo de conhecer os servidores. Fausta aceitou o desafio e se sentiu dona do projeto. Chegou a época de sua aposentadoria, no início de 2019, e ela não queria se aposentar. Ela se sentiu muito valorizada pela equipe que estava lá. Eu saí da educação e a Fausta continua lá. Ela achava que poderia contribuir muito porque estava sendo oportunizada. Eles precisam ser treinados e valorizados para colocar em prática o que tem de conhecimento.

Eles precisam ser treinados e valorizados para colocar em prática o que tem de conhecimento.

Para você, qual a importância do Sindicato dos Professores na valorização destes profissionais?

Como agregamos valor ao processo de comunicação com o sindicato? Por meio da Agenda do Servidor na educação. Fizemos reuniões de assuntos não só sobre questões financeiras. Em 2017 e 2018, tivemos mais de 50 reuniões com o sindicato. A partir dos diálogos, melhoramos alguns processos, onde tivemos reaplicação de investimentos para os servidores. Criamos oito leis em serviço do servidor da educação e uma bolsa para escolas de período integral. Achávamos correto que expressassem opiniões.
A maioria das leis envolvia a reaplicação do recurso. Nós capacitamos o time para ele ser engajado a fazer o que tivesse que ser feito, como auditoria interna para o estudo de folha e tirar todas as questões que não estivessem dentro da legalidade. Na auditoria, descobrimos servidores falecidos que ainda recebiam. Nos atentamos para questões que não eram olhadas. Introduzimos um sistema de gestão de folha de pagamento, onde descobrimos todas as falhas. Não era o servidor, o sistema era falho. Com o novo sistema, identificamos situações que podemos fazer uma redução da folha de pagamento, o que possibilitou a reaplicação do recurso para os próprios servidores, isso nos fortaleceu com o sindicato. Eles querem benefícios. Eles querem ser valorizados. O sindicato ainda é muito parceiro na educação.

Como o sindicato da categoria colaborou para a implementação dessas mudanças na área?

A iniciativa de termos esse processo de comunicação fortalecido vem de uma proposta de governo. O próprio governo estabeleceu que derrubássemos muros e construíssemos pontes. O processo de comunicação e escuta dos anseios dos servidores por meio do sindicato e as nossas necessidades de avançar no sistema educacional, todos foram levados para uma mesa de negociação. Ela era um ponto seguro para que todos os servidores colocassem ali os seus anseios. Para que a secretaria de educação pudesse levar a proposta da melhoria da qualidade de serviços e da valorização do servidor, por meio de projetos para a estrutura organizacional ter esse impacto positivo. Para que pudéssemos ter uma boa estratégia organizacional para fazer acontecer, era importante um diálogo permanente.

Quais projetos você gostaria de tirar do papel e ainda não foi possível?

Essa trajetória na educação foi extremamente relevante na minha vida pessoal porque eu me senti fortalecida com relação à gestão de pessoas. Gosto de gente e de estar envolvida no meio. Nunca gostei de aparecer, sempre estive por trás das cortinas. O fortalecimento desse conhecimento me trouxe um resgate de que você aprende, mas só o aprendizado não te leva a lugar nenhum.

Essa vontade de passar para a frente esse aprendizado e fazer com que outras pessoas possam ter suas vidas modificadas me motiva muito. Levar adiante esse conhecimento e ajudar as pessoas a se tornarem pessoas melhores, eu quero muito que essas implantações de boas práticas tenham continuidade. Sonho com o dia em que vamos conseguir fazer com que as boas práticas no serviço público tenham uma continuidade, independente de governos. Espero que eu consiga, através do meu conhecimento, propagar para os meus pares que é possível.

O que você gostaria que as pessoas soubessem do Amapá e que provavelmente elas não sabem?

Gostaria que o Amapá fosse visto com o diferencial de que temos escolas que às vezes levam três dias para chegar na localidade. Precisamos ir de barco, avião, carro para poder chegar. A merenda escolar que custa nos grandes centros um valor, às vezes chega lá custando dez vezes mais. Eu queria muito que o Brasil olhasse para o Amapá com isso em mente porque nós somos uma região diferenciada, onde a distância acaba interferindo em muita coisa.

Jornalismo: Julia Sena