Claudia Moraes, Segurança Pública (2020)
Conheça a vencedora Claudia Moraes, destaque na categoria Segurança Pública, que lançou, em 2019, o Programa Maria da Penha – Guardiões da Vida no Rio de Janeiro. O foco do projeto está em reduzir os casos de violência doméstica e garantir a segurança de mulheres por todo o estado. Em um ano de funcionamento, o programa já auxiliou mais de 8 mil mulheres e não registrou, entre as assistidas, nenhum caso de feminicídio. O projeto é um dos frutos da trajetória de Moraes, mas o sucesso da tenente-coronel da Polícia Militar começou a ser cultivado coletivamente em uma comunidade na Zona Oeste da cidade, ainda nos anos 80.
Nascida em um hospital público de Bangu, a carioca Orlinda Claudia Moraes morou por toda a infância e juventude em uma área rural com os pais e os irmãos, próximo ao bairro Vila Kennedy. A família, de origem humilde, fazia parte de uma zona composta por agricultores familiares, onde se plantavam alimentos como aipim, chuchu e quiabo. Estudou a vida toda em escola pública e nunca desfrutou de muitos privilégios na infância. Acostumada a ir para o colégio de chinelo e uniforme velho, Moraes nunca teve a oportunidade de participar do desfile de 7 de setembro, evento tradicional entre as escolas da cidade.
Apesar das dificuldades financeiras, lembra com carinho do amor dos pais e das amizades com os vizinhos da rua. A casa onde morou, por exemplo, é fruto da solidariedade de seu padrinho, que doou o terreno para a família. Sem ter condições financeiras de construir uma casa no espaço, seu pai foi surpreendido ao saber que o todo o dinheiro gasto com aluguel foi poupado pelo amigo, que era proprietário do lote. Começava ali uma rede de apoio que nunca seria esquecida por Moraes.
Desde cedo, percebeu que gostaria de trabalhar com pessoas. Após ser professora de telecurso para adultos em uma comunidade, decidiu se tornar cientista social. Prestou vestibular para Ciências Sociais e foi aprovada em três universidades públicas, mas optou pela UERJ, única que oferecia o curso noturno e permitia que pudesse trabalhar em horário comercial.
As dificuldades fizeram Cláudia querer investir no serviço público, como forma de garantir mais segurança e estabilidade financeira para ela e a família. No mesmo ano em que passou para o vestibular, foi incentivada pelo então namorado a fazer prova para a Polícia Militar. Sem conhecer muito a instituição, prestou o concurso. A notícia da aprovação aconteceu graças, mais uma vez, ao elo de solidariedade dos vizinhos: foi por meio da sua madrinha, única pessoa da rua que dispunha de telefone em casa, que Moraes soube da sua classificação.
A primeira vez que acompanhou a cerimônia de hasteamento da bandeira nacional, chorou – e repetiu o gesto muitas vezes. Lembrou-se da infância e de todos os anos que não pôde desfilar no 7 de setembro pela falta de sapatos e uniforme novo. O início da carreira militar trouxe, por certo tempo, a necessidade de uma identidade secreta pelo receio que tinha da violência contra policiais da corporação. A mudança de vida levou Moraes a trancar a graduação, que demorou dez anos para ser concluída. Apesar do extenso período na universidade, o curso se tornou fundamental para sua carreira. Depois disso, fez duas pós-graduações e tornou-se mestre em Ciências Sociais, também pela UERJ.
Mas sua trajetória na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – PMERJ mudou para sempre depois de um episódio, descrito por ela, como o pior momento da sua vida: a morte do irmão, também policial, vítima de um assalto em 2004. A perda fez Moraes implorar para que o irmão mais novo, que estudava para ingressar na polícia, não fizesse a prova e tentasse outra área no militarismo. Na época, Claudia conheceu a depressão de perto e chegou a quase abandonar a carreira na instituição. Com a ajuda dos familiares, amigos e instituição, Moraes virou a chave e decidiu transformar todo o sofrimento em projetos dentro da Polícia Militar. Passou a integrar uma unidade de ensino na Academia Militar e virou instrutora de Direitos Humanos para cadetes. Colaborou com o Instituto de Segurança Pública em diversas edições do Dossiê Mulher e encontrou ali a inspiração para trazer o Programa Maria da Penha – Guardiões da Vida para o estado do Rio de Janeiro.
Este último projeto, que assiste mulheres vítimas de violência doméstica e tem trazido resultados positivos para o estado, está há pouco mais de um ano na cidade e segue funcionando normalmente, mesmo durante a pandemia. Todos os policiais militares atuantes são voluntários e não recebem bonificação salarial pelo trabalho, mas defendem o ideal de servir e proteger, difundido na instituição. Apesar de todas as cicatrizes que a vida deixou, a tenente-coronel da Polícia Militar, Claudia Moraes, persistiu – não só pela mobilidade social que o serviço público trouxe para a sua vida e de sua família – mas por acreditar na construção de uma sociedade mais justa e menos violenta.
Para muitas pessoas, violência contra a mulher ainda não é uma prioridade.
Que imagem você tinha da Polícia Militar antes de ingressar na instituição?
Eu nunca tive um oficial como referência, nem sabia que existia mulher na polícia, porque eu nunca tinha visto uma. Isso é muito louco, porque quando eu entrei as mulheres já estavam há 20 anos na instituição, mas eu nunca tinha visto uma, ou se vi, não registrei. Lembro-me que me surpreendi muito com isso. Eu não tinha uma posição. Morava em uma comunidade, onde a questão do confronto talvez ainda não estivesse tão exuberante.
Eu não tinha opinião sobre a polícia, o que de certa forma foi bom porque eu fui com essa página em branco, me permitindo aprender, concordar e discordar. Não fui com receio, eu me joguei. Eu procurava fazer minha parte e contribuir, principalmente com as comunidades.
Como você acha que é a Claudia dentro e fora do ambiente de trabalho?
Já teve um momento onde eu tive uma identidade secreta. Hoje, as Claudias se fundiram de uma forma muito forte e é muito difícil desconectar. Não consigo mais fazer essa separação, principalmente com essa hiperconexão, já que hoje desempenho atividades nas redes sociais também. Acredito que os momentos onde eu volto a ser ‘Linda’ é quando estou com meus pais, irmãos, cachorros e a Frida, a gatinha, no nosso lugar. Ali, eu não pego no celular e me conecto com eles. Aviso aos outros que se for depender de mim, nesse momento, é melhor ligar para o 190, porque ali eu estou com eles. Infelizmente a pandemia tem me roubado muito disso.
A experiência com minhas sobrinhas tem me feito pensar muito em ser mãe. Na verdade, eu fui preparada para ser mãe de família, mas teve um momento que eu virei a chave e mudei tudo. Cheguei a engravidar, mas perdi durante a gestação e, depois da morte do meu irmão, esse foi o pior momento da vida.
Eu fui a primeira pessoa da família a entrar na polícia, e depois meu irmão fez curso de formação de soldados da polícia. Em janeiro de 2004, eu vivi o pior momento da minha vida. Meu irmão estava saindo do serviço e foi vítima de assalto. Até hoje eu tenho pavor quando alguém me procura depois das 22h, porque foi quando eu recebi a notícia. Nesse dia eu estava de serviço, meu namorado da época, entrou na sala e eu perguntei “quem foi?” e ele disse “foi o Marcelo”. Nessa hora eu senti uma dor física e perdi o controle do meu corpo. Ali, foi a única hora que eu pude sentir a morte do meu irmão, porque a minha cunhada estava grávida de 8 meses e meio e a minha sobrinha nasceu na missa de sétimo dia dele. Não fui na missa de sétimo dia do meu irmão porque eu estava assistindo o nascimento da minha sobrinha. Eu precisei me preparar para comunicar aos meus pais. Eu acho que só consegui seguir em frente e cuidar da minha família porque eu não vi o meu irmão morto.
Com essa história, eu não me permiti viver esse luto e a minha ficha só caiu dois anos depois, quando eu tive uma depressão. Sinto que precisamos encontrar mecanismos para cuidar de quem fica. Depois da morte do meu irmão, eu passei a ter um medo da morte que eu não experimentava antes, talvez por ter que dar a notícia para a minha mãe. Vai fazer 16 anos, mas dói como se fosse ontem. E cada vez que vemos um policial morrendo desse jeito nos perguntamos o porquê. Eu faço um exercício muito grande para não mergulhar em ódio e transformar isso em outra coisa. É muito importante criar conexões e aproximar as pessoas.
Você contou que durante o processo de luto do seu irmão, chegou a pensar em desistir do seu trabalho na Polícia Militar. O que fez você continuar?
Primeiro, eu tive apoio dos meus amigos da instituição, até mesmo para poder virar a chave para sair de um batalhão operacional e ir para uma unidade de ensino. Apesar das dificuldades de um curso de internação, eu tenho um afeto muito grande pela Academia de Polícia. Acho que a transformação que podemos ter na instituição começa ali. A academia é a possibilidade de se trabalhar com formação, mas é a capacidade que você tem de mudar. O conhecimento não se tira. É importante investir em equipamentos, mas, principalmente, em pessoas. Para tudo funcionar, precisamos ter uma segurança ontológica. As pessoas pensam se elas vão ser vítimas de uma bala perdida, se um professor ou aluno vai ou não chegar na escola, e isso tem a ver comigo, com o meu trabalho e a minha corporação. Precisamos buscar um caminho com ações preventivas para que dê certo.
As pessoas pensam se elas vão ser vítimas de uma bala perdida, se um professor ou aluno vai ou não chegar na escola, e isso tem a ver comigo, com o meu trabalho e a minha corporação.
A minha mãe queria que eu saísse da polícia, meu irmão mais novo estava se preparando para fazer prova e entrar na corporação e eu implorei para que ele desistisse. O ajudei a se preparar para um outro concurso militar, deixei ele só estudando durante um ano e ele passou na prova. Tive muito orgulho de ir na formatura de solenidade dele. Meu pai é um homem muito simples e acho que, em algum momento, ele sentia vergonha disso. Ele não foi na minha formatura. Apesar de nunca ter dito, eu sei que foi por sentir vergonha de ter uma origem tão humilde. Mas ele ressignificou isso indo na formatura do meu irmão. E eu sei que o grande fator de mobilidade social da minha vida foi ter entrado para a Polícia Militar.
Minha mãe queria que eu desistisse depois, mas eu não podia. Durante um período, precisei mentir para ela e não falar quando estava de serviço. Cheguei a andar, por muito tempo, com uma carta de despedida no bolso, caso acontecesse algo comigo eu teria a oportunidade de me despedir que o meu irmão não teve. Hoje não ando mais com essa carta, porque acredito que isso não vai acontecer comigo e eu não vou desistir da carreira. As coisas que tem acontecido hoje e como as pessoas me procuram para dizer que, de alguma forma, eu apoiei e incentivei me mostram que vale a pena.
Por vezes, a reputação da Polícia Militar não é boa nas periferias do Rio. Como mudar essa imagem da corporação?
A relação de polícia e sociedade no Brasil é tensa pelo nosso modelo. Eu escrevo muito em minhas postagens nas redes sociais que isso vai acontecer até o dia em que sejamos mais amados do que temidos, mas eu sei que isso é muito difícil. Enxergar a polícia como uma instituição de proteção, garantia, direitos individuais e humanos. Nesse processo, nós também somos destinatários de direitos humanos, mas muita gente duvida disso. É uma relação difícil, mesmo nos ambientes mais controlados.
Nós também somos destinatários de direitos humanos, mas muita gente duvida disso.
A atividade policial, às vezes, é mais antipática porque você precisa restringir determinada situação, as manifestações públicas são um exemplo disso. É um limiar entre garantir o direito constitucional das pessoas e sua liberdade, ao mesmo tempo em que é necessário permitir que o trânsito ande e as pessoas possam circular, que não haja violência e nem quebra de patrimônio público. Mas quando falamos das periferias, isso fica ainda mais dramático, principalmente para mim, que sou originária dessas áreas, e percebo o abandono que existe ali.
Tenho um esforço nesse trabalho que eu faço, por total empatia. Eu me vejo nas pessoas que estão na comunidade. Eu entrei em contato com muitos líderes comunitários e um deles me disse uma vez que as pessoas diziam que eles eram coniventes, e ele me disse que, na verdade, eles eram conviventes. Eu sempre tentei fazer a conexão dos dois mundos, mas muitas vezes pesava o meu lugar de policial.
Durante a minha trajetória, perdi um grande amigo, um líder comunitário, que participava de reuniões. Eu tenho muito respeito por essas pessoas e acho que o único caminho que temos é o diálogo. Essas pessoas também são reféns dessa realidade e esse estado de coisas nessas áreas não aconteceu da noite para o dia, mas tem muitas pessoas que conseguem auferir lucro com esse sofrimento. Eu acho que toda a possibilidade que tivermos de criar pontes, devemos fazer. Eu não gosto de muros, gosto de pontes.
Muita gente que trabalha com gestão não quer se contaminar com a realidade e não quer se aproximar das pessoas, mas isso faz toda a diferença. Por ser de uma família muito simples, eu sempre tive medo que meus pais fossem maltratados. Lembro que, cada vez que minha mãe precisava ir ao colégio assinar um documento nosso, ela adoecia, porque tinha dificuldade para assinar o nosso boletim. Meu pai, vindo do interior de Minas Gerais, só colocou o primeiro sapato no pé com nove anos. Eu sempre achava que precisava protegê-los por medo deles serem maltratados. É importante olhar para as pessoas como se elas fossem únicas. Dá pra fazer, não é possível que não dê.
Muita gente que trabalha com gestão não quer se contaminar com a realidade e não quer se aproximar das pessoas, mas isso faz toda a diferença.
Qual o maior desafio de ser uma mulher que atua na formação de novos policiais?
Essa é uma das coisas que eu faço. Dou aula, faço parte de um pedaço da formação. Acho que o desafio enquanto mulher é o mesmo em todas as áreas. Mas na minha ocorre principalmente quando as pessoas não sabem o que é a atividade policial. Por vezes as pessoas querem uma credencial sua de operacionalidade, que mostre por quantos batalhões você passou e em quantas trocas de tiro você esteve. Mas eu não acho que essa é a credencial.
Eu já estive em situações de confrontos e riscos, elas constituem quem eu sou, mas tem um outro lado que é de perceber que precisa se capacitar e abrir seus horizontes. É preciso ter a compreensão de que problema de segurança pública não é só polícia e justiça, é muito mais. Estamos falando de um quadro de agravamento na segurança pública do estado nos últimos anos e em nenhum momento a polícia parou de trabalhar. O desafio talvez não seja por ser mulher.
Eu agradeço as primeiras mulheres que entraram na Polícia Militar, nos anos 80, porque elas preparam tudo para que estivéssemos aqui hoje. Ao mesmo tempo que existia uma cobrança para que fôssemos fortes, também tinha um olhar de cuidado. Sempre fomos orientadas por elas sobre os desafios que encontraríamos ali. Ainda me incomoda muito toda vez que fazem uma matéria com policial mulher, se destaca a questão da beleza e do corpo. Em todas as áreas existe uma tendência de nos colocar em evidência pelos nossos atributos físicos. Por isso é muito importante investir no nosso profissionalismo.
Um dos meus trabalhos na pós-graduação de Gênero e Direito foi sobre assédio moral e sexual contra mulheres na Polícia Militar. Há alguns anos, eu fiz junto com uma juíza da Escola de Magistratura e a diretoria de assistência social da PM uma palestra mostrando esses dados e foi muito interessante, porque no fim sempre fica alguém para falar com você sobre o que viveu. Ainda precisamos de mecanismos para coibir isso, principalmente no ambiente militar, onde as pessoas acham que você tem que ser forte o tempo todo. Apesar de hoje ocupar o penúltimo posto da corporação, procuro não estabelecer distâncias, para abrir o canal e mostrar que é possível falar.
Você conta que contribuiu para a produção de dados estatísticos sobre segurança quando foi coordenadora no Instituto de Segurança Pública (ISP). Para você, qual a importância da transparência de dados do poder público?
Transparência é a base de um Estado Democrático de Direito. Como servidora pública, eu tenho obrigação de prestar contas. E quando falamos de transparência, para o Estado é muito bom. Os países com alto grau de transparência costumam ser melhor avaliados. Se você tem uma administração pública e não tem o que esconder, por que esconder? Ela permite também que você avalie, e quem trabalha com gestão pública não pode ter medo de avaliação.
Essas informações que alimentam a burocracia, poderiam ser devolvidas para a sociedade. Não pode se transformar em algo de difícil acesso. Quando eu trabalhei no Instituto de Segurança Pública (ISP), foram divulgados dados todos os meses, desde 2004. Hoje, no Rio, isso já não é mais um motivo de crise. O Dossiê Mulher, por exemplo, foi criado pela diretora do Instituto de Segurança Pública e, antes da Lei Maria da Penha, eles divulgaram o primeiro Dossiê, com dados sobre lesão corporal e ameaça.
Como foi participar da organização do Dossiê Mulher pela primeira vez?
Em 2009, fui para o ISP e em 2010 a organizadora do Dossiê engravidou e eu assumi. Ela passou as bases de dados para mim e essa foi a primeira edição impressa. Criamos uma coluna chamada Outros Olhares, onde chamamos outras pessoas para discutirem os dados. Fizemos uma análise de reincidência dos casos de violência em 2010. Começamos a chamar pessoas da rede, que não necessariamente eram do governo, e isso foi muito importante.
O Dossiê foi finalista da categoria Estatísticas e Estudos do Prêmio Boas Práticas da Lei Maria da Penha. Eu comecei a entrar em contato com essa parte da violência doméstica a partir do ISP. Em 2009, eu ainda tinha muito a aprender sobre violência doméstica e interseccionalidade, mas fui muito acolhida por todos. Foi a partir de uma palestra que eu ministrei na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro sobre os dados de violência contra a mulher e segurança pública que eu fui mordida por essa agenda. O Dossiê Mulher é uma história de muita gente.
A segurança pública costuma ser pensada de forma mais reativa/combativa e o Programa Patrulha Maria da Penha – Guardiões da Vida tem uma atuação muito forte na prevenção de casos. Se tratando de violência contra a mulher, por que você acha que a prevenção para esse tipo de crime gerou esses resultados?
É frequente a visão da Segurança Pública sob o ponto de vista reativo e repressivo, porém esse é um olhar parcial da atividade, que pressupõe muito mais a prevenção. Apesar da principal atividade da Patrulha Maria da Penha ser ativada após a incidência da violência, ou seja, o atendimento às mulheres que já possuem uma medida protetiva deferida, esse tipo de violência é marcado pela repetição e grande parte dessa reincidência se deve à certeza, por parte do autor, de que esta mulher está sozinha e de que “ninguém vai meter a colher”.
Porém, com a presença constante da Patrulha e o contato direto das equipes com as mulheres assistidas, seus familiares e círculos sociais mais próximos, percebermos que ocorre o fortalecimento desses laços e uma tendência de fortalecimento também da rede proteção pessoal da assistida, para além da própria Patrulha.
Acredito que fatores como esse sejam fortes inibidores das investidas dos autores de violência. Porém, caso insistam no descumprimento da medida protetiva, o remédio previsto na Lei Maria da Penha é a prisão desse autor.
Como foi feito o convencimento das lideranças da PM sobre a implementação do programa Patrulha Maria da Penha considerando a realidade criminal do Rio de Janeiro?
Na verdade, o problema sempre esteve presente, sobretudo nos números alarmantes de ligações para o serviço 190 por motivos de crimes contra a mulher e violência doméstica.
Já haviam experiências exitosas no enfrentando à violência doméstica em curso no Brasil e no Rio de Janeiro, na própria Polícia Militar, como Projeto Guardiões da Vida, presente em alguns Batalhões da PM por iniciativa dos comandantes, e apresentado resultados surpreendentes, mas, em certa medida, pouco visibilizados ou valorizados. Nesse sentido, a utilização de dados e evidências de eficácia das experiências em curso (estatísticas) foi fundamental para o convencimento. Pois essa linguagem, para além da convicção íntima que se possa ter de que vale a pena investir, as evidências tornam possível ao tomador de decisão vislumbrar possíveis resultados, bem como os desafios do investimento em grande escala.
Você comenta de algumas iniciativas feitas por meio de aplicativos e outras ferramentas tecnológicas. De que forma a tecnologia contribui para o trabalho na segurança pública?
A tecnologia se faz presente e necessária a cada dia na Segurança Pública. Acredito que toda inovação que ajude na otimização e contribua para a redução dos índices criminais é bem-vinda. Esses usos já são realidade no dia a dia das polícias brasileiras, tais como os softwares de análise de dados, aplicativos, reconhecimento facial, realidade virtual para treinamentos, mídias sociais etc.
Seguramente, as tecnologias atuais e as que irão surgir contribuem para o trabalho da segurança pública, que não pode se ver desconectada dos recursos disponíveis no seu tempo para melhor servir à sociedade. As polícias brasileiras surgiram há mais de 200 anos tendo o cavalo como meio de locomoção, pena e papel como meio para produzir registros. Ao longo do tempo, foram adaptando o trabalho ao surgimento de novos recursos e tecnologias. Todavia, percebo que a velocidade das mudanças tecnológicas na atualidade imprime a necessidade de maior rapidez de adaptação por parte das forças de segurança pública.
O que você ainda gostaria de realizar e não pôde?
Até esse momento da carreira, posso dizer que tive a felicidade de concluir todas as empreitadas iniciadas e me senti satisfeita com os resultados. Imagino que, com o avançar da carreira e das consequentes expectativas de poder de realização, devo começar a lidar com as limitações e difíceis processos de tomada de decisão que, por vezes, impedem qualquer gestor(a), por mais capaz e bem intencionado que seja, de realizar aquilo que gostaria em favor do interesse público.